Sentada ela vê
as cores reluzirem
naquela tarde fria
em São Paulo
“Não garota,
sai daqui, não é
seu lugar”, diz um
vertido sobre seu corpo
Ela olha-o, reluz
sua face gotejando
barbas sujas misturando-se
com a fuligem
“Não é seu lugar”, repete
aumenta o brilho das cores
o casaco cinzento protege
o velho do frio
Um homem corre pela rua
quase tromba com ela
não baixa os olhos para vê-la
nem ela o vê
Perdida em pensamentos
opacos e diversos
sente-se finalmente bem
não sai dali.
Muita gente junta, ela encosta
a cabeça em um banco, um casal
bastante magro carrega um colchão
com um caixote de madeira em cima
Outro passa com seu carrinho
e com seu fiel cachorro
caminha molemente
“na outra calçada eles têm pressa”
Ele cumprimenta o velho de barba
enquanto se cobre com cobertor
para aplacar o frio
da tarde em São Paulo
A rua é suja, tremula do outro lado
uma bandeira velha do Brasil
em algum prédio público. Já ali
fede a mijo
Estampido e neblina se espalha
é a polícia, dizem, e o ar acaba
respirar é insuportável, ela levanta
tremula para andar, tal qual a bandeira
Outra bomba, mais gás, e ela corre
“seu lugar não é aqui”, diz o velho
enquanto corre por ela. Ou será outro?
Para onde corre?
A confusão não lhe deixa pensar
na terceira explosão sem destino
na terceira explosão correm,
indesejáveis, espalham-se
Sozinha, não sabe onde ir
passa o homem com o carrinho
e com seu cachorro. Ela o segue.
Há de haver outro Eldorado.
Antunes, 2017.
Reincluindo o poema…